A última parcela do auxílio emergencial destinado aos pescadores artesanais afetados pelas manchas de óleo no litoral brasileiro começou a ser paga nesta semana. No Ceará, 8.371 pescadores, de 17 municípios, estão aptos a receber o recurso, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Por outro lado, famílias residentes em áreas afetadas relatam que, mesmo com documentação ativa e regular, não puderam sacar o benefício.
Para informar quem são os beneficiados, o Mapa divulgou uma lista contendo o número do Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP) dos profissionais afetados pelas manchas de óleo. Os dados estão distribuídos por Estados e Municípios. Mas há um impasse. As informações são questionadas por colônias de pescadores e representantes do setor.
Segundo o presidente da Federação das Colônias de Pescadores do Estado do Ceará, Raimundo Félix da Rocha, "mais de 30% dos trabalhadores deixaram de receber o benefício". "Muitos que estavam fora da atividade (pesca) receberam e os que estão ativos não. Em Beberibe, por exemplo, 70% das marisqueiras não receberam", afirma Raimundo Félix. "Estamos fazendo um levantamento nas praias para saber o número exato".
Produção afetada
Uma das marisqueiras prejudicadas é Lucineide Carneiro da Silva, que reside na praia de Parajuru, em Beberibe, no Litoral Leste. "Tenho direito, mas este mês fui na Caixa Econômica Federal (responsável por realizar o pagamento) e não consegui retirar o dinheiro", lamenta. O benefício ajudaria a complementar a renda: "Desde que começou a chegar óleo, as vendas foram caindo e ainda não melhoraram. As pessoas ficaram com medo de consumir".
Lucineide tem o RGP ativo, pré-requisito para sacar o benefício. Além do documento, o pescador precisa manter os dados atualizados no sistema. "Fui na Colônia de Pescadores e Marisqueiras de Parajuru e viram que estou com toda a documentação em dia, mesmo assim, está como se eu não tivesse direito. Aqui do Parajuru não conheço nenhuma marisqueira que conseguiu sacar o dinheiro", disse.
Em novembro do ano passado, o Governo Federal divulgou uma lista de pescadores aptos a receberem o auxílio pago em duas parcelas de R$ 998. No Ceará, Fortaleza (1.468), Icapuí (1.415), Beberibe (965), Aracati (795) e Fortim (601) foram as cidades com maior número de registros na lista. Em todo o Brasil, 65.983 inscritos.
Análise
Na primeira semana deste ano, a Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Ceará (Adagri) divulgou os resultados das cinco primeiras análises para Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos (HPA). O material foi coletado de pescados no Estado. Os resultados não detectaram níveis de contaminação alarmantes.
Foram analisados 17 compostos de HPAs via cromatografia, não sendo detectado nenhum deles nas amostras examinadas", concluiu o parecer do órgão.
Ainda assim, pescadores e representantes do setor avaliam que há receio por parte do consumidor. Martilene Rodrigues, integrante da coordenação do Movimento Nacional de Pescadoras (MPP), vê o fato com preocupação. "Nós temos comunidades que não estão mais pescando. Eu moro na Região Leste, onde temos uma área importante para reprodução da lagosta. O ruim desse óleo é o medo da contaminação", afirma.
Divergência
Icapuí, na mesma região, é a segunda cidade do Estado em número de pescadores na lista divulgada pelo Governo. O Município conta com 1.415 beneficiários, atrás apenas de Fortaleza, com 1.468.
"Alguns pescadores com RGP ativo e atualizado não receberam. A gente liga para o Mapa e para o Ministério da Cidadania e não tem uma resposta precisa", afirma o coordenador do Sindicato dos Pescadores e Pescadoras Artesanais de Icapuí, Tobias Soares.
Segundo ele, há "pessoas que estão na lista e não receberam" e "pescadores com RGP ativo que nem na lista aparecem", situação que, na visão do representante, sinaliza "uma lista não confiável".
O pescador Raimundo Nonato é um dos que estão com a documentação regular e não constam na lista. "Cheguei a falar com a assistência social do Município, fiz cadastro, tudo direitinho, e nada. Tem uns 70 pescadores regulares que não entraram. Nós queremos saber o motivo", ressalta.
Em relação aos casos em que os pescadores alegam terem direito, mas não constam na lista, o Ministério da Cidadania recomendou entrar em contato com a Ouvidoria do Mapa e realizar a denúncia.
Novo Levantamento
Para avaliar com precisão quantas pessoas teriam direito ao auxílio emergencial, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará (Ematerce), juntamente com representantes da Secretaria do Desenvolvimento Agrário e colônias de pescadores dos 17 municípios atingidos pelas manchas de óleo no Estado, estão realizando um levantamento a ser compilado em uma planilha.
"Nós perguntamos se era possível o cadastro ser feito pelo Governo Federal, mas disseram que, por enquanto, não é possível. Por isso, estamos fazendo o cadastramento. Devemos ter até 12 mil pescadores nesses municípios, entre ativos e não ativos", adiantou o presidente da Ematerce, Antônio Rodrigues de Amorim.
Quando o RGP não está ativo, como nos casos de pescadores aposentados ou que passaram a realizar outras atividades, o profissional não tem direito ao recurso.
Sobre as reclamações, Amorim disse que o material deve auxiliar na cobrança dos pedidos ao órgão federal. "Vamos ter que primeiro comprovar com dados para fazermos as reivindicações. A coordenação da pesca no Ceará vai verificar, de fato, quantos estão aptos a receber e não estão recebendo. A lista (do Governo Federal) está muito fechada e com esse levantamento teremos mais clareza", afirmou o presidente da Ematerce.
Estado de alerta
Em dezembro do ano passado, a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) informou que manteria o estado de alerta, até março de 2020, para o possível reaparecimento de manchas de óleo no litoral cearense. O fenômeno apontado como responsável pelo ressurgimento do material é o "swell', conhecido como ressaca do mar.
No fim de dezembro do ano passado e no início de janeiro deste ano, novos resquícios do material foram encontrados nas praias de Caetanos de Cima e Caetanos de Baixo, em Amontada, e na Barra do Poço Velho, no limite do litoral de Itapipoca. Na sequência, as praias de Tijuca e Almofala, em Itarema, e Praia do Jiqui, em Amontada, também apresentaram pequena quantidade do óleo.
Diante do desastre ambiental, pesquisadores do Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará (Labomar/UFC) divulgaram pesquisa na revista norte-americana Science sobre as consequências do vazamento de óleo. "Apesar de ainda estar chegando óleo a algumas praias, passados três meses, é como se esse terrível acidente não tivesse acontecido. Não sabemos quem foi o responsável, quais os níveis de contaminação das praias, dos organismos e dos alimentos", ressalta um dos pesquisadores, Rivelino Cavalcante.
Segundo o último balanço realizado pelo Ibama, 1.004 localidades já foram atingidas pelas manchas de óleo em onze estados brasileiros. Dos 130 municípios afetados, 17 estão localizados no Ceará.
Mapa
Em nota, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) informou que para selecionar quem tem direito ao benefício “foi realizada uma extração de todos os cadastros dos SisRGP (Sistema Informatizado de Registro Geral da Atividade Pesqueira), e foram filtrados aqueles que atendiam os critérios da Medida Provisória nº 908/2019”. Ainda segundo a Pasta, se o pescador atendeu a todos os critérios estabelecidos, "ele consta na listagem de beneficiados”.
Conforme o Mapa, “não foi feita uma estimativa” de quantos pescadores entraram com pedido questionando o direito ao benefício.
https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/editorias/regiao/pescadores-cearenses-afetados-por-manchas-de-oleo-reclamam-auxilio-1.2202696
Nenhum comentário:
Postar um comentário