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quinta-feira, 26 de julho de 2018

Pensão alimentícia pauta 25% dos novos processos

Se no dicionário o significado de "criar" se resume a "dar origem, gerar, fazer existir", quando o verbo se refere a um filho, ganha contornos bem mais complexos: criar, aqui, engloba a obrigação de prover minimamente o básico, como saúde, educação, moradia, proteção e alimentação. A tarefa deveria ser óbvia, mas, muitas vezes, ainda é descumprida por pais e mães, sobretudo após términos de relacionamentos, quando entra em pauta para um dos dois um dever abrigado na Lei nº 5.478, de 1968: a pensão alimentícia.

Nas últimas semanas, o assunto entrou em discussão nacional após a repercussão do imbróglio judicial entre o cantor Wesley Safadão e a ex-esposa Mileide Mihaile, que o acusou de impor restrições abusivas e tentar reduzir o pagamento estabelecido para sustento do filho, Yhudy, de seis anos. Próximo capítulo do impasse, a audiência do caso está marcada para amanhã (27).
A questão, porém, transpõe a visibilidade midiática e se esgueira, todos os dias, entre os conflitos de famílias comuns, alheias aos holofotes. Tanto que, no Ceará, cerca de 10 mil das petições iniciais atendidas pela Defensoria Pública Geral em 2017 envolveram pensão alimentícia, número que corresponde a um quarto dos 40 mil novos processos iniciados na Capital e no Interior. Somente de janeiro a junho deste ano, 3.469 pedidos nesse sentido foram realizados.
Violência
A enfermeira V.S., 47, que terá a identidade preservada nesta reportagem, já nem consta mais entre os dígitos dos dados - após inúmeros problemas com o pagamento da pensão do filho de 11 anos, constantemente descumprido pelo ex-marido, ela desistiu dos processos judiciais e da "romaria mês a mês". Segundo V.S., todas as obrigações do pai da criança foram estabelecidas há oito anos, na ação de divórcio, mas seguem sendo desrespeitadas. E sem consequências.
"Ele justifica que não tem dinheiro, mas se ficou estipulada quantia X, é porque o juiz entendeu que ele pode pagar. Alguns homens, infelizmente, acham que se a mulher ganha bem, tem que sustentar o filho sozinha. Atrasam, passam o mês sem pagar, dão a pensão pela metade... É um tipo de violência contra a mulher, que se sobrecarrega e não consegue prover a vida que o filho deveria ter", avalia V.S., relatando ainda outro transtorno que sofreu ao tentar garantir o direito do filho.
"Meu ex-marido colocou o filho contra mim, como uma forma de me calar, de reagir às minhas reclamações. Entrei na Justiça contra ele, com a Lei de Alienação Parental, levei testemunhas, todo mundo que convivia com a criança e comigo, e ele não levou ninguém. Mas o juiz deu ganho de causa a ele. Enquanto tivermos juízes masculinos, que estão defendendo os homens, fica difícil", critica a enfermeira, também bacharel em Direito.
Valor
Conforme esclarece a defensora pública estadual e professora de Direito da Família, Roberta Quaranta, "não há possibilidade de um pai ou uma mãe não precisar pagar pensão, por mais abastado que o filho seja e ainda que exista guarda compartilhada". O que não existe, porém, é um percentual estabelecido por lei para determinar o valor a ser pago. "Muita gente acha que o preço da pensão é 30% do que a pessoa ganha, isso não existe. O valor é resultado de uma equação jurídica, levando em conta a necessidade de quem pede, a possibilidade de quem vai pagar e proporcionalidade desse fatores".
Menor ou maior que seja o preço, ressalta a defensora, o que não pode acontecer é a ausência do pagamento. "O Judiciário não aceita nem desemprego como preponderante para não pagar pensão, porque, no Brasil, quase todo mundo tem emprego informal. Verificam-se os sinais exteriores de riqueza, como ter carro, moto, casa de praia... Até fotos em redes sociais servem de provas", explica Roberta Quaranta.
Punição
A penalidade pelo descumprimento da pensão alimentícia acordada judicialmente está descrita no artigo 244 do Código Penal Brasileiro, que prevê detenção de um a quatro anos, mais multa de um a dez salários mínimos, se o genitor "deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor 18 anos ou inapto para o trabalho, faltando ao pagamento de pensão".
Segundo Roberta Quaranta, "a obrigação é intransferível. Muita gente acha que já pode entrar com ação contra os avós, por exemplo, mas não pode, a não ser em caso de falta ou impossibilidade do genitor". Para V.S., ainda há um longo caminho, principalmente de igualdade de gênero, até que a lacuna entre direito estabelecido e cumprido seja extinta. "Pensão não é só o que a pessoa come. É o que gasta diariamente, colégio, transporte escolar - e se a mãe não pode prover sozinha, o pai precisa auxiliar. A Justiça é muito lenta para garantir isso. O direito está posto, mas não é efetivado".

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