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sexta-feira, 16 de março de 2018

Marielle Franco simbolizava luta por igualdade

Rio de Janeiro. Mulher, jovem, negra, da favela. Marielle Franco transformou essa difícil combinação de fatores no motor de sua luta, nas ruas, ou na Câmara dos Vereadores, e não deixou de levantar a voz contra o racismo, o machismo e os abusos policiais no Rio de Janeiro.Nascida e criada na comunidade da Maré, Marielle foi mãe aos 19 anos, e estudou em um curso de pré-vestibular comunitário até ser aprovada para cursar Sociologia na Pontifícia Universidade Católica (PUC).

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"A minha perspectiva era a da mulher favelada, era de pertencimento da Maré. E havia uma disputa daquele corpo que vai ocupar, sim, porque eu sou favelada, aquele lugar de ensino de qualidade, não é lugar de uma mulher negra favelada", disse a quinta vereadora mais votada da cidade, de 38 anos, na quarta-feira (14), em um evento chamado "Jovens negras movendo as estruturas", minutos antes de ela e o motorista serem assassinados na volta para casa.
Incansável e sorridente, Marielle pode ser vista no Carnaval distribuindo leques contra o assédio, fantasiada em meio à multidão, e, dias depois, na Câmara Municipal, criticando a violência policial nas favelas cariocas.
"Era uma mulher sorridente, forte, segura, coerente e pé no chão. Olhava no olho das pessoas, nunca foi deslumbrada, ela sabia que era um corpo estranho no lugar que ocupava", disse a produtora cultural Marcela Lisboa, que se aproximou de Marielle quando ela começou a militância pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
A morte de uma amiga por uma bala perdida levou a jovem à luta pelos direitos humanos, focada principalmente nas minorias negra, feminina e LGBT.
A atuação policial foi um de seus principais focos e tema de sua tese de mestrado em Administração Pública na Universidade Federal Fluminense (UFF), sobre o fracassado projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) - "UPP: a redução da favela a três letras".
A longa carreira de ativismo de Marielle começou nas favelas, passando por organizações como Brasil Foundation e Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré. Sua vida deu uma grande virada quando conheceu Marcelo Freixo, deputado do Rio.
Ela começou a trabalhar como sua assessora, antes de decidir se candidatar a vereadora.
Feminista e mãe de uma jovem de 19 anos, ela recebeu, em 2016, mais de 46 mil votos. Marielle tinha sido nomeada relatora de uma comissão da Câmara Municipal que vai acompanhar a intervenção federal no Rio.
Vestida completamente de preto, esperando ao lado de centenas de pessoas a chegada de seu corpo para um velório na Câmara Municipal, Tenka Dara, outra jovem negra e companheira de lutas de Marielle, chorava, inconsolável, pela morte da amiga. "Ela era essa pessoa que estaria aqui liderando o movimento. Neste caos político, a morte política é a de uma mulher negra. Mataram Marielle, mas suas ideais são à prova de balas".
'País de impunidade'
Já o motorista Anderson Pedro Gomes, de 39 anos, estava desempregado e trabalhava fazendo bico quando foi assassinado dentro do carro onde estava Marielle. Gomes era casado com Ágatha Arnaus e tinha um filho, Arthur, de apenas um ano e 10 meses. Julia Arnaus, irmã de Ágatha, lamentou o assassinato e disse que o motorista era "um excelente pai". "Ele era maravilhoso. Era demais. Bom pai, excelente pai", afirmou.
Julia usou as redes sociais para protestar contra o assassinato do motorista. "Mais uma vida ceifada, arrancada, assassinada, País de impunidade, País em que um pai de família sai de manhã pra trabalhar e não volta", escreveu. Segundo ela, o motorista era "um ser de luz amado por todos. Agora sobra a família, mais um filho que cresça sem pai, mais uma mãe que enterra seu filho, mais uma esposa que enterra seu marido", afirmou.
"Descanse em paz grande homem! Homem de luz você é e sempre vai ser".
'Matança de pobres'
Freixo disse que o crime tem "características nítidas" de execução. "É completamente inadmissível. Uma pessoa cheia de vida, cheia de gás, uma pessoal fundamental para o Rio de Janeiro, brutalmente assassinada. É um crime contra a democracia, contra todos nós, não podemos deixar que isso se naturalize".
No fim da tarde de ontem, uma multidão acompanhou o sepultamento da Marielle no cemitério do Caju, no Rio. A cerimônia ocorreu sob gritos e aplausos de políticos, amigos e familiares.
No início da cerimônia, um padre fez uma breve fala e disse que há uma "matança de pobres". O velório de Marielle e do motorista Anderson ocorreu na Câmara Municipal.
A Polícia Federal ofereceu ajuda nas investigações. O chefe da Polícia Civil do Rio, Rivaldo Barbosa, não descarta a hipótese de execução. "É um caso extremamente grave, que atenta contra a dignidade da pessoa humana e que atenta contra a democracia", disse. "Quem quiser nos ajudar, receberemos a ajuda, de qualquer instituição. Entretanto, a Polícia Civil do Estado do Rio tem capacidade para resolver esse caso", acrescentou.
O presidente da OAB-RJ, Felipe Santa Cruz, cobrou punição. "A OAB-RJ não vai descansar enquanto os culpados não forem devidamente punidos. Os tiros contra uma parlamentar eleita e em pleno cumprimento do mandato atingem o próprio Estado democrático de Direito".
O prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), decretou luto oficial de três dias. "Não vamos deixar que sua trajetória seja esquecida, não permitiremos que esse crime fique impune". Já o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) afirmou que o crime foi um ato de "extrema covardia".

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