"Quer um doce?". "Quero". Otávio (nome fictício), 22, recebe uma pequena cartela quadrada, bem parecida com um selo postal. Ele coloca a pastilha sobre a língua, mas conta que, "às vezes, pode ser embaixo também". Aos poucos, o material se dissolve dentro da boca, começando uma viagem psicodélica que se estenderá pelas próximas oito horas. Otávio é consumidor do LSD, substância psicoativa sintética de alto poder alucinógeno.
Essa droga, bem como outras quimicamente fabricadas, têm sido alvo de intensas investigações da Divisão de Combate ao Tráfico de Drogas (DCTD) da Polícia Civil do Ceará, desde o ano passado. Entre janeiro e abril de 2015, foram apreendidas 395 unidades de comprimidos de ecstasy e micropontos de LSD; já no mesmo período deste ano, foram 6.408 unidades retidas, um crescimento de mais de 1.500%. Das 66 apreensões realizadas só neste ano, dez foram de drogas sintéticas, incluindo a desativação de dois laboratórios na "Operação Avatar", deflagrada no início de março.
O delegado titular da Especializada, Sérgio Pereira; e a adjunta, Patrícia Bezerra, afirmam que o combate às sintéticas exigem uma maior capacitação dos agentes envolvidos.
Consumo
O número crescente de drogas sintéticas disponíveis no "mercado" indica que o negócio tem se tornado cada vez mais diversificado e conta com o apoio da tecnologia e da Internet.
Um vendedor intitulado "Carnaval Psicodélico", com endereço de Fortaleza, informa, num blog, que facilita a compra de ecstasy, LSD e lança-perfume e que já tem "mais de 300 clientes satisfeitos". Conforme o perfil, uma cartela de LSD com 25 selos sai por R$ 350. Segundo ele, a entrega é feita com "total cuidado de conservação e sigilo".
No estoque, o vendedor afirma possuir micropontos com estampas de "ursinho", "Albert Einstein", "Mario Bros" e "Mãe Natureza". Para Patrícia Bezerra, o produto tem esse forte apelo visual para seduzir os usuários jovens. Além das figuras, os traficantes também apostam no design: algumas pílulas de ecstasy são fabricadas em formato de coração e apelidadas de "love".
"É muito fácil transportar uma folha de papel, uma caixa de comprimidos, sem que as pessoas saibam que aquilo é droga. Só policiais qualificados conseguem combater esse tipo de crime", aponta a especialista.
Segundo ela, o público das drogas sintéticas também é diferenciado: são pessoas de classe social mais elevada, "que não entraram no mundo do crime por necessidade, e sim por opção". O consumo desenfreado dessas substâncias ocorre principalmente em festas raves na cidade, quando o preço de um comprimido pode chegar a R$50.
Efeitos
Otávio, que concordou em conversar com a reportagem de forma anônima, diz que, durante a "trip", como os usuários chamam o efeito dessas drogas, tem visões e alucinações surreais.
O perigo, segundo a perita legista Vivian Santiago, do Núcleo de Toxicologia da Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce), é que os efeitos da maioria delas ainda é desconhecido, pois os produtores modificam constantemente suas composições, aplicando até mesmo substâncias de uso veterinário. "Eles não têm qualificação para produzir essas drogas e estão fazendo dos usuários cobaias", avalia o delegado Sérgio Pereira. Em março, dois jovens morreram após terem consumido entorpecentes numa rave invadida pela DCTD na Lagoa do Banana, em Caucaia.
(Colaborou Nícolas Paulino)
SAIBA MAIS
Drogas sintéticas
São substâncias psicotrópicas criadas quimicamente em laboratório, cujos elementos não são encontrados na natureza.
Efeitos no organismo
Dilatação da pupila
Hiperestímulo do Sistema Nervoso Central (SNC)
Aceleração dos batimentos cardíacos
Aumento da sensação de prazer
Aumento da pressão arterial e da temperatura corporal
Possíveis náuseas e calafrios
O consumo de doses elevadas pode ocasionar parada cardíaca ou Acidente Vascular Cerebral (AVC)
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