Juazeiro do Norte. Um momento que se traduz em nova
realidade para se avaliar causas relacionadas ao Padre Cícero Romão Batista. O
anúncio da reconciliação da Igreja Católica com o sacerdote, no domingo, para
alguns pesquisadores e estudiosos da história do religioso e do direito
canônico, que vêm acompanhando as mudanças nas últimas décadas relacionadas ao
caso e os estudos provocados pela própria Diocese do Crato, não chega a ser uma
grande novidade.
Todos são unânimes em destacar a porta que se abre no
encaminhamento de um futuro processo de beatificação.
O Padre
Cícero é reconhecido como homem de fé simples pelo próprio papa Francisco, por
meio de carta transmitida pelo seu secretário de Estado, cardeal Pietro
Parolin. Por esse motivo, cerca de dois milhões de pessoas todos os anos vão a
Juazeiro. São devotos do sacerdote que se tornou o "santo popular dos
sertanejos".
Sem surpresa
Professor
do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará (UFC), Régis
Lopes, afirma que essa é uma conciliação que vem se desenvolvendo desde os anos
1970. "Há cerca de 40 anos, a Igreja vem começando a se reformular, depois
do Concílio do Vaticano II, no sentido de perceber uma maior diversidade das
crenças e uma perspectiva mais ecumênica, de valorizar as
particularidades", avalia Regis Lopes.
Para
ele, a carta-mensagem do Papa não é uma grande novidade, por esta questão vir
sendo trabalhada paulatinamente. Mas, ao mesmo tempo, ressalta o trabalho da
própria Igreja, que na sua maneira de agir, parece lenta para as pessoas.
Outro
aspecto avaliado por Lopes diz respeito ao crescimento das romarias. "O
Padre Cícero continua gerando romarias. Se ele tivesse uma quantidade menor de
devotos e não fosse tão importante a devoção de Juazeiro, a Igreja não estaria
preocupada com isso", salienta. Para o professor, há aí uma questão clara
em relação ao poder da Igreja, para não perder mais fiéis, já que estão
aumentando. "Ela se viu obrigada a ceder", acrescenta. Ele lembra da
forma como o Padre Cícero era visto pelo bispo da época, dom Joaquim José
Vieira. O religioso chamava Juazeiro como lugar de farsa. Segundo o
pesquisador, essas impressões eram registradas em documentos oficiais, como
cartas pastorais. O bispo da época deixava claro que tudo aquilo era fanatismo,
tudo mentira e que a Igreja não poderia permitir as romarias. "Não é
novidade agora mais um documento da igreja de conciliação", afirma.
Justiça
A
historiadora Fátima Pinho diz que somente neste momento a Igreja começou a
fazer justiça ao sacerdote. Ela integrou a Comissão de Reabilitação do Padre
Cícero, nomeada por dom Fernando Panico, bispo da Diocese do Crato, em meados
da primeira década do século XXI. A pesquisadora desde 1999 desenvolve estudos
relacionados ao religioso e é doutoranda no mesmo tema. Esse momento, conforme
Fátima, é muito mais um pedido de perdão: "O papa promove essa
reconciliação, já que não foi o Padre Cícero que se afastou. Ele sempre animou
os seguidores dele na fé católica e pedia isso aos fiéis, que permanecessem na
Igreja, por ser a única verdadeira, no contexto do século XX".
As
décadas que se seguiram no silêncio, de acordo com Fátima Pinho, traduzem a
ação peculiar à própria Igreja. "Hoje, mudaram-se os tempos e as pessoas
também. Aquele grupo que era tropa de choque e combatia o Padre Cícero, já não
está mais aqui. Ainda hoje, há quem não concorde. O que está acontecendo na
Igreja no Cariri, em boa parte, é por conta disso, e tem padres que não aceitam
ainda essa ideia de trazer o Padre Cícero, como obediente, modelo de sacerdote.
O que dom Fernando já havia sinalizado na primeira carta pastoral dele",
lembra.
Fátima
Pinho ainda salienta que, quando se começa a estudar, conhecer os escritos do
Padre Cícero, se encontra neles um homem íntegro, um padre obediente,
preocupado com o seu rebanho, sua Igreja e o que acontece nesse universo.
"Agora que se começa a mudar, com essa correção histórica, retirando-o
desse patamar de embusteiro, fanatizador. É um novo olhar sobre esse
homem", assegura.
Novo momento
Com
formação em Roma, padre José Vicente Pinto de Alencar da Silva, professor de
Direito Canônico do Seminário São José, do curso de Teologia, em Crato, afirma
que esse momento representa fundamentalmente a abertura de um diálogo. Conforme
o religioso, o Padre Cícero morreu sem o uso de ordens, e isso significa dizer
que ele estava um tanto alijado, deixado de lado. "É claro que permaneceu
cristão, evidentemente, filho da Igreja", diz. Essas questões, de acordo
com o padre, impediam um diálogo que rendesse bons frutos para ambas as partes.
Ele
explica que o tempo de reaproximação da Igreja com o Padre Cícero demorou por
haver, junto à Santa Sé, uma farta documentação restritiva, relacionada à ação
do Padre Cícero. "A Igreja aguarda ser provocada para poder agir, e foi o
que o ocorreu com a chegada de dom Fernando Panico. Ele provocou a Igreja,
pediu que olhasse para Juazeiro. Para tomar conhecimento de um modo mais
profundo e próximo do Padre Cícero, dos romeiros, de Juazeiro e toda essa
realidade", destaca. Da mesma forma, é necessário acontecer, para uma
futura avaliação de abertura do processo de beatificação, que exige trâmites
para que aconteça. "Por sua vez provocada, procurada, ela se pôs a serviço
dessa realidade e agora chegou a esse ponto, que é muito importante no percurso
da história da Diocese e do Padre Cícero", diz.
O
escritor e contemporâneo do sacerdote, Geraldo Meneses Barbosa, classifica esse
momento como um reencontro com a história religiosa de Juazeiro do Norte e com
as verdades eternas, que nunca falharam. Aos oito anos, Geraldo Barbosa
frequentava a casa do Padre Cícero com o seu pai. "Ele foi sempre aquele
homem, que, em 1872, chegou a Juazeiro, para uma seleção dos filhos de Deus que
estariam para chegar". O milagre da hóstia, como fator decisivo, aconteceu
por mais de dois anos, e, em torno desse tempo, Juazeiro do Norte conseguiu
reaver essa força de religiosidade popular.
Segundo
o escritor, hoje com 90 anos, esse momento se consagra com a colocação da
imagem do Padre Cícero, dentro da Sé Catedral, em Crato, coisa que jamais se
esperava que acontecesse. Ele acredita que agora não haverá tanta dificuldade
para seguir em busca do reconhecimento oficial do primeiro santo brasileiro.
"Tudo no seu tempo e espaço", completa.
Saiba mais
Linha do tempo do martírio
4/11/1889 - Com
as notícias na imprensa sobre os milagres, o bispo dom Joaquim envia carta ao
Pe. Cícero proibindo qualquer manifestação pública a respeito
6/8/1892 - Por
meio de Portaria, o bispo dom Joaquim suspende o Pe. Cícero das faculdades de
confessar, pregar e administrar sacramentos
13/4/1896 - O
bispo dom Joaquim aumenta a punição ao Pe. Cícero e o proíbe de celebrar missa
10/2/1897 - O Santo
Ofício emite um novo Decreto, proibindo a permanência de Pe. Cícero em
Juazeiro, sob pena de excomunhão. Em 29 de junho de 1897, ele vai para
Salgueiro (PE)
22/6/1898 - Após
cinco interrogatórios, os cardeais do Santo Ofício decidem absolver o Pe.
Cícero das censuras até então impostas, mas ele permanece com a proibição de
pregar, confessar e dirigir as almas e é aconselhado a procurar outra Diocese
5/9/1898 - Após
vários requerimentos enviados ao Santo Ofício para regularizar sua situação,
ele consegue autorização e celebra Missa na Capela de São Carlos, em Roma. Os
cardeais s lhe concederam permissão para celebrar na volta
15/11/1898 - Pe.
Cícero se apresenta a dom Joaquim, em Fortaleza, e lhe informa que foi
absolvido em Roma. Mas o bispo não permite que ele celebre em Juazeiro
12/7/1916 - O
Santo Ofício declara o Pe. Cícero incurso na excomunhão latae sententiate. Dom
Quintino, bispo do Crato, só toma conhecimento do documento no dia 14 de abril
de 1917. E só comunica, por carta, ao Padre Cícero, no dia 29 de abril de 1920.
O sacerdote não chega a receber essa carta porque Dr. Floro a vê primeiro e
convence o bispo a não entregá-la pela sua idade avançada. E Pe. Cícero
continua celebrando no Sítio Saquinho (Crato)
1/1/1917 -
Excomungado sem saber, Pe. Cícero recebe autorização do bispo para celebrar
Missa na Capela de Nossa Senhora das Dores
23/2/1921 - O
Santo Ofício analisa solicitação de dom Quintino ao papa e atende apenas à
primeira parte (absolvição das censuras, incluindo a excomunhão), mas não
concede o direito de celebrar, podendo o Pe. Cícero receber os sacramentos como
simples leigo. Mais uma vez, recomenda que ele deixe Juazeiro
3/6/1926 - Como
Pe. Cícero opta por permanecer em Juazeiro, dom Quintino o suspende novamente,
retirando-lhe o uso de ordens
20/7/1934 - Padre
Cícero encerra seus último dia de vida
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