Ao acusar a presidente da
República Dilma Rousseff de lhe reservar cargo "decorativo", o
vice-presidente Michel Temer expõe desconforto com o suposto desprezo da chefe
do Executivo Federal. O atual contexto, de tão intenso e movimentado, parece
inédito na política, mas um passeio pelo século XX mostra que o protagonismo
estratégico do vice, diante da fragilidade do presidente, já marcou outros
momentos da história do País.
Em
carta pessoal endereçada a Dilma Rousseff, o vice Michel Temer, presidente
nacional do PMDB, reclama da posição secundária ocupada por ele no governo. Ele
enumera queixas que vão da falta de atenção de que goza o PMDB no Governo
Federal a relatos sobre incômodos pontuais, como o fato de Dilma não ter
convidado o vice para encontro com o vice-presidente dos Estados Unidos.
"Passei
os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A Senhora sabe disso.
Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido
usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as
crises políticas", citou Temer.
Em
diálogo com partidos e lideranças de oposição, Michel Temer demonstra
vislumbrar, no desgaste da imagem de Dilma, a possibilidade de ocupar a cadeira
do Palácio do Planalto. Para o cientista político André Pereira, professor da
Universidade Federal do Espírito Santo, "a queixa oficial que ele faz é
mentira". O docente argumenta que declarar papel decorativo na gestão
federal é uma tentativa de se eximir de erros e denúncias contra o Governo
Federal.
Impeachment
O
professor de Ciência Política remete ao governo do ex-presidente Fernando
Collor, alvo de impeachment, para fazer o comparativo com o atual cenário. À
época o vice era Itamar Franco, que assumiria a Presidência com a saída de
Collor.
"Na
época do impeachment do Collor, quando o processo começou, Itamar começou
efetivamente a trabalhar nesse sentido (de se projetar como alternativa). Em
1992, até surgiu um pequeno escândalo, o processo do Collor já tinha se
iniciado, o Itamar veio a público denunciar que seu quarto de hotel no Rio e a
casa dele em Brasília tinham sido grampeados", narra. "Ele (Temer)
está tentando se afastar de maneira infeliz. Quando o Itamar fez a denúncia das
escutas, foi mais inteligente para marcar uma distância. O que o Temer está fazendo
é desastroso".
O
presidente da Telerj (estatal de telecomunicações do Rio de Janeiro), quando
das denúncias de Itamar de escutas no Rio, era o atual deputado Eduardo Cunha
(PMDB), dirigente hoje da Câmara Federal.
André
Pereira esclarece que a figura do vice é costurada para legitimar uma aliança.
Ele diferencia, por exemplo, o papel de Michel Temer, que cai no Governo do PT
como voz partidária ao representar o PMDB, da função exercida por José Alencar,
vice de Lula, que representava o setor empresarial e de diálogo com o mercado.
O cientista político argumenta que o espaço ocupado por Michel Temer não foi
subestimado pelo Planalto, uma vez que simbolizava na gestão o elo com a sigla
mais poderosa do Congresso: o PMDB.
"O
Temer não foi decorativo e entrou na chapa como liderança do PMDB, o cargo em
si não tem poder, mas a função fundamental era comandar o PMDB, interferir
quando ele ameaçava alguma coisa", explica André Pereira. "O José
Alencar entrou para relativizar a chapa do Lula com o empresariado, não teve
função como a do Temer e até deu um pouco de trabalho ao Lula, porque fazia
críticas ao Governo sobre desenvolvimento econômico", completa.
Desavenças
As
desavenças entre o vice e o presidente não são apenas intrigas da história
recente do Brasil. Ainda no governo de Getúlio Vargas, Café Filho, o
vice-presidente, colaborou com a conspiração que culminaria do suicídio de
Getúlio. O Governo passava por suspeita de envolvimento no assassinato do major
da aeronáutica Rubens Vaz, em ataque direcionado a Carlos Lacerda, opositor
ferrenho de Vargas.
"O
então presidente passou a ser investigado pelo assassinato de Rubens Vaz e Café
Filho viu a possibilidade de chegar ao poder. Ninguém esperava o Getúlio se
matar, ele (Café) assumiu o poder e numa direção favorável aos grupos de
direita", relata André Pereira.
O
cientista político Maurício Moya, professor da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, pondera que sabotagens como a de Michel Temer ao Governo Dilma
são fenômenos raros, mas, sobre os fatos recentes do País, diz que não foram
surpreendentes "na medida em que ele (Temer) e o PMDB já manifestaram
insatisfação outras vezes".
Moya
acredita que, após as últimas eleições, Temer começou a cogitar eventual
chegada ao Planalto. "Acho que no último ano do primeiro mandato ele já
estava vislumbrando a possibilidade de romper com o governo. Ele não podia ter
feito de maneira mais sorrateira e sutil, porque não fala diretamente que
rompeu, mas critica a presidente, vaza carta, está fazendo jogo de desgaste do governo.
Agora ele é o maior adversário da Dilma, é o maior perigo".
O
cientista político relata que nos Estados Unidos o vice-presidente da República
não tem voto direto da população na chapa presidencial, sendo escolhido
diretamente pelo candidato a presidente. "O vice-presidente nos Estados
Unidos também se transforma em presidente do Senado", complementa.
Maurício
Moya lembra que o vice de Fernando Henrique Cardoso, Marco Maciel, representava
a aliança do tucano com o PFL e tinha papel similar ao PMDB no Governo do PT. O
diferencial é que pefelistas deram muito menos trabalho à gestão FHC do que o
PMDB dá aos petistas.
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