Brasília. Vinte
e três anos após a saída de Fernando Collor de Mello da Presidência da
República, um ocupante do Palácio do Planalto volta a enfrentar processo de
impeachment. O pedido de afastamento foi acolhido ontem pelo presidente da
Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tendo como base as pedaladas fiscais e a compra
da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos.
No
primeiro caso, o documento aponta suposta infração às leis Orçamentária e de
Responsabilidade Fiscal e, no segundo, a omissão da presidente em relação
"aos desmandos" na Petrobras, mencionando o voto de Dilma a favor da
compra da refinaria quando comandou o conselho de administração da estatal.
Ainda
ontem, ao lado de 11 ministros, a presidente Dilma Rousseff (PT) afirmou, em
pronunciamento de quatro minutos, que as razões que fundamentam o pedido de
impeachment de seu mandato são "inconsistentes e improcedentes" e se
declarou "indignada" com a notícia.
Sem barganha
A
presidente também negou que o Planalto tenha negociado para tentar impedir que
o peemedebista deflagrasse a abertura do pedido de impeachment em troca do
apoio de petistas para barrar o processo contra ele no Conselho de Ética da
Câmara.
Recurso no STF
A
Executiva Nacional do PT estuda recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF)
contra a decisão do presidente da Câmara. A iniciativa está em discussão pelo
setor jurídico do partido, o qual alega que as liminares concedidas pela Corte
em outubro suspenderam o rito do impeachment e impediram Cunha de tomar
qualquer decisão em relação ao afastamento de Dilma.
O
deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) também anunciou que pretende acionar a
Corte. Segundo ele, não há atualmente um rito definido para promover o processo
do impeachment. O parlamentar foi autor de mandado de segurança que barrou o
processo em outubro.
Eduardo
Cunha afirmou que o pedido seguirá "processo normal", dando amplo
direito ao contraditório ao governo, e negou indiretamente uma atitude de
revanche em relação ao governo. Na tarde de ontem a bancada do PT havia
decidido votar contra ele no Conselho de Ética.
Segundo
o peemedebista, a aceitação do pedido tem "natureza técnica" e não
havia como postergar a decisão.
Retaliação
A
decisão do presidente da Câmara dos Deputados foi tomada em retaliação à
Executiva Nacional do PT, que ordenou à bancada na Casa Legislativa que apoie o
prosseguimento do processo de cassação contra Cunha.
Na
tentativa de recuperar o apoio do PSDB, que anunciou no mês passado o
rompimento com ele, o peemedebista decidiu acolher o pedido de afastamento da
petista apoiado pelo partido e assinado pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel
Reale Júnior.
Em
troca, Cunha espera que o líder do PSDB na Câmara dos Deputados, Carlos Sampaio
(SP), convença os dois deputados tucanos que integram o Conselho de Ética a
renunciarem ou mudarem de posição pelo arquivamento do pedido de cassação do
mandato do peemedebista.
O
Planalto, que enfrenta uma crise política agravada pela falta de apoio de
aliados no Congresso, baixa popularidade de Dilma e período de recessão
econômica, já se articulava para tentar deter o avanço de um processo de
impeachment.
Para
evitar a deflagração do processo de impeachment, deputados petistas chegaram
até a última hora a ir ao gabinete do peemedebista garantir que até a próxima
terça (8) seria possível reverter os votos no Conselho de Ética da Câmara dos
Deputados.
O
Executivo também informou ao presidente da Câmara que não tinha desistido de
garantir ao peemedebista votos para o arquivamento do pedido de cassação. Em
conversas reservadas, no entanto, o peemedebista disse que não podia mais
confiar na promessa do governo federal.
Sem golpe
"Não
aceitaremos que um chefe de quadrilha proces- sado na Justiça por corrupção
leve o País à ruptura democrática ! Não aceitaremos o golpe!"
Ciro Gomes
Ex-ministro
Legalidade
"Nós
apoiamos a proposta do impeachment para que ele tramite normalmente aqui. Isso
não é golpe. Estou falando de algo previsto na Constituição"
Aécio Neves
Senador
(PSDB-MG)
Cautela
"Não
conheço o que o pro- cesso contém. Dependen- do do que acontecerá na Câmara
virá ou não para o Senado. Não é prudente antecipar posição"
Renan Calheiros
Presidente
do Congresso
Ameaças
"O
governo preferiu não ceder. Vamos enfrentar solidariamente com a presidenta
esse processo com a mais absoluta normalidade e naturalidade"
José Guimarães
Líder
do governo na Câmara (PT-CE)
Democracia
"Não
podemos deixar que as paixões aflorem a um ponto que impeçam o regular
funcionamento das instituições. O que está em jogo é a própria democracia"
Tasso Jereissati
Senador
(PSDB-CE)
"Eu
jamais aceitaria ou concordaria com quaisquer tipos de barganha, muito menos
aquelas que atentam contra o livre funcionamento das instituições democráticas
do meu País, que bloqueiam a Justiça e ofendam os princípios morais e éticos
que devem governar a vida pública".
Justificativa
O
documento assinado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. E Janaína
Paschoal, associa o negócio de Pasadena a crime de responsabilidade.
"Não
o faço por nenhuma motivação de natureza política, mas, de todos os pareceres
que chegaram a mim, não consegui achar um que conseguisse desmontar a tese. Não
tenho nenhuma felicidade no ato que estou praticando", disse Cunha.
O
presidente da Câmara declarou que foi muito cobrado para se posicionar a
respeito dos 34 pedidos de impeachment que chegaram às suas mãos. Ele rejeitou
31; ainda há dois pendentes.
Na
resposta da presidente, ela alfinetou Cunha ao afirmar que não possui conta no
exterior e nunca ocultou patrimônio pessoal. "São inconsistentes e
improcedentes razões que fundamentam este pedido (de impeachment). (...) Não
possuo conta no exterior, nem ocultei do conhecimento público existência de
bens pessoais. Nunca tentei coagir instituições ou pessoas na busca de
satisfazer meus interesses", declarou a presidente.
O
peemedebista já foi denunciado e é alvo de investigações pela
Procuradoria-Geral da República no âmbito da Operação Lava-Jato. "Meu
passado e meu presente atestam a minha idoneidade e inquestionável compromisso
com as leis e as coisas públicas", acrescentou Dilma.
"Recebi
com indignação a decisão do senhor presidente da Câmara processar pedido de
impeachment contra mandato democraticamente conferido a mim pelo povo
brasileiro", declarou, a petista afirmando que não se pode "deixar as
convivências e interesses indefensáveis abalarem a democracia e a estabilidade
do nosso País".
A
presidente afirmou ainda que tem "absoluta convicção e tranquilidade
quanto à improcedência desse pedido bem como com o seu justo
arquivamento". "Devemos ter tranquilidade e confiar nas nossas
instituições".
A
principal ausência no pronunciamento dela foi a do vice-presidente, Michel
Temer (PMDB), que preferiu assistir às declarações do Palácio do Jaburu. Temer
foi informado por Cunha antes do anúncio oficial da abertura do processo.
A
petista estava ao lado dos ministros Jaques Wagner (Casa Civil), Ricardo
Berzoini (Secretaria de Governo), José Eduardo Cardozo (Cardozo), Gilberto
Occhi (Integração Nacional), Luís Inácio Adams, (Advocacia-Geral da União),
Aldo Rebelo (Defesa), Armando Monteiro (Desenvolvimento), André Figueiredo
(Comunicações), Celso Pansera (Ciência e Tecnologia), Henrique Eduardo Alves
(Turismo) e Gilberto Kassab (Cidades).
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