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quarta-feira, 10 de outubro de 2018

O Brasil canta o Ceará

Sotaques distintos entoarão o Ceará em março de 2019, na geografia carnavalesca que tomará conta da Sapucaí. Quem nunca arrastou um "Vixi Maria!" ou riu com a história do Bode Ioiô, um "Salvador da Pátria" - especialmente se o problema for na política -, encontrará motivos suficientes ao ouvir os sambas-enredo da União da Ilha do Governador e da Paraíso do Tuiuti. Vice-campeã de 2018, a Tuiuti divulgou a nova aposta em julho passado, mas a União da Ilha definiu apenas no último sábado (6) os versos inspirados na "peleja poética" dos escritores Rachel de Queiroz e José de Alencar.


"Não é uma homenagem aos dois escritores, é uma homenagem ao Ceará. É toda uma leitura do Estado, sobre sua importância, seu modo de viver, seus costumes, seus aspectos culturais, o dia a dia do cearense", ressalta Dudu Azevedo, Diretor Geral de Carnaval e Harmonia da União da Ilha sobre a proposta da Escola para o ano que vem. Os compositores Myngal, Marcelão da Ilha, Roger Linhares, Marinho, Cap. Barreto, Eli Doutor, Fernando Nicola e Marco Moreno são os responsáveis pela letra escolhida e que incorpora o mesmo discurso da direção.

Viola e sanfona dão uma introdução tipicamente nordestina ao samba deles antes da entrada rítmica da bateria. O refrão, parte que será mais repetida durante o desfile, entrega referências ao sotaque, à alegria e à renda cearense. Em seguida, cantam-se o sol, a luz, a brisa, e a beira-mar, alguns dos clichês da região Nordeste, para então rimar cordel com Rachel e Alencar com Ceará.

A canção faz pontes ainda entre a fé no "Padim Ciço" e a "terra seca que não seca a esperança". "O 'Vixi Maria' e o 'meu Padim, Padim Ciço' foram dialetos fundamentais para que o samba evoluísse e acredito que isso vai funcionar na avenida", defende um dos compositores, Marcelão da Ilha. Na letra, ele e os demais companheiros também procuraram destacar a moda sertaneja de chapéu de couro e gibão, aspectos que prometem saltar aos olhos dos espectadores em algumas fantasias.

"Tem de tudo!", adianta Dudu Azevedo sobre o visual da Escola. "Bordadeiras vão mandar algumas peças, haverá também uns descansos e mandelas de palha, fantasias à moda de Espedito Seleiro... É tanto detalhe!", conta. Segundo o diretor, um dos carros alegóricos conterá, na parte interna, elementos do trabalho do artista plástico cearense Dim Brinquedim. Mais de 10 mil peças de artesanato deverão viajar do Ceará para o Rio de Janeiro, algumas doadas, outras compradas.

"Até agora a gente não tem apoio governamental, mas temos uma abertura das pessoas credenciadas do governo e dos municípios, que levam nosso carnavalesco, Severo Luzardo, até onde é confeccionado o tipo de material que ele precisa para a plástica do enredo", explica Dudu Azevedo. Severo vem ao Ceará desde criança, mas só pela União da Ilha já veio mais de três vezes esse ano.

Bode politizado

Veterana nos diálogos com o nosso Estado, visto que em 2016 desfilou com a história do "Boi Mansinho", a Paraíso do Tuiuti investe novamente no discurso político para fazer as pessoas pensarem com o samba no pé. Neste ano, a Escola surpreendeu o público com o enredo "Meu Deus, Meu Deus, está extinta a escravidão?", trazendo críticas expressas ao presidente Michel Temer e à reforma trabalhista proposta em seu governo.

Em 2019, o Bode Ioiô é o grande protagonista. O samba-enredo de Cláudio Russo, Moacyr Luz, Dona Zezé, Jurandir e Aníbal dá ao animal, que recebeu votos suficientes para ser eleito vereador na Fortaleza de 1922, o título de "Salvador da Pátria". "O povo do Ceará conhece o Bode Ioiô, mas o brasileiro em geral não conhece. Pra nós foi um pouquinho difícil, a gente teve que queimar um pouquinho a mente pra fazer um samba que tornasse claro quem é o personagem da história", lembra Cláudio Russo.

Segundo o compositor, "não é tão fácil transformar em letra um bode que sai com uma família de retirantes do sertão, chega à capital, ganha a fama entre boêmios, trabalhadores, e pouco a pouco se torna resistente a uma reforma urbana e depois vereador". Mas com um texto pontual, assim os sambistas fizeram.

"Vendeu-se o Brasil num palanque da praça/ E ao homem serviu ferro, lodo e mordaça?/Vendeu-se o Brasil do sertão até o mangue/ E o homem servil verteu lágrimas de sangue" é o trecho que introduz o samba-enredo e, talvez, o mais crítico dele. "O povo brasileiro, e mais uma vez se comprovou nas eleições, está passando muito ao longe do que está acontecendo em Brasília. Está tudo muito vendido, independente de quem tenha vendido", alfineta Russo.

Os ataques direcionados aos nordestinos nas redes sociais, após a expressividade dos votos desta região que garantiu Fernando Haddad no segundo turno para Presidente, não intimidaram Cláudio e a Escola na defesa de nossa bandeira na Avenida. "O cearense, como o nordestino típico, é extremamente politizado. Aqui no Sul e no Sudeste tem muita gente que vai pela moda, pela ocasião. Então, é uma honra cantar o Nordeste", evidencia.

O compositor ressalta, porém, que "tanto o samba do ano passado quanto esse do Bode Ioiô são sambas políticos sem serem partidários". "A gente pensa mais nos menos favorecidos do que na bandeira que nós estamos erguendo", destaca.
A letra d'O Salvador da Pátria faz referência ainda ao abolicionista Dragão do Mar e à personagem alencarina Iracema. Tal como a União da Ilha, a Tuiuti aposta na forma de falar do cearense para promover a identificação com o público representado. Termos como "muderna", "bichim" e "dotô" também surgem no samba-enredo; formas de expressão estas que, sem dúvida, farão o Brasil cantar em cearensês.

Ouça os sambas-enredo:

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