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segunda-feira, 10 de abril de 2017

Prevista em lei, prisão domiciliar para mães ainda é exceção no Ceará

A situação carcerária é tema constante quando se fala nas questões complexas da realidade social brasileira. No Ceará, o retrato do caos se repete, inclusive nas penitenciárias femininas, onde gestantes são custodiadas. Em todo o Estado há, conforme a Secretaria da Justiça e Cidadania (Sejus), 1.129 mulheres privadas de liberdade, sendo 846 provisórias. O número representa 5% do total de pessoas encarceradas e se deve principalmente à atuação coadjuvante das mulheres no tráfico de entorpecentes.

Só no Instituto Penal Feminino (IPF) Auri Moura Costa, localizado em Aquiraz, há cerca de 770 mulheres presas, quando a capacidade do local é para 374. De acordo com a Defensoria Pública Geral do Ceará, 621 são presas provisórias, que sequer foram julgadas. Destas, a Sejus afirma que 11 estão internas com seus bebês na creche da unidade, e outras 25 estão grávidas em celas. Tida como a melhor unidade feminina do País pela pesquisa 'Dar à luz na sombra', IPF é um dos poucos com creche anexa no Brasil.
Na unidade que recebe detentas de todo o Estado a superlotação poderia ser diminuída, caso um direito ainda negado a parte das encarceradas fosse posto em prática. O Marco Legal da Primeira Infância, que prevê conversão da prisão preventiva para domiciliar às gestantes ou mães que tenham filhos de até 12 anos de idade e comprovem a necessidade de cuidar deles, completou um ano em vigor e permanece ineficiente.
A falta de acesso à informação e as barreiras encontradas no Judiciário denotam a dificuldade de 'liberar' em tempo hábil muitas mães de volta às suas casas. Há duas semanas, um caso referente à Lei nº 13.257 repercutiu nacionalmente. Presa em Bangu, a advogada Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, foi transferida para sua residência após provar judicialmente que sua presença em casa é de fundamental importância na criação dos filhos.
Em um País com 37 mil mulheres encarceradas, o caso de Adriana Ancelmo é exceção. Com a reverberação da soltura da advogada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) informou que desde 8 março de 2016, data da sanção do Marco, apenas 32 mulheres conquistaram a prisão em regime domiciliar por comprovarem a necessidade de dar assistência aos filhos.
Transição
De acordo com levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 45% das presas do Brasil não foram julgadas. Detida por dano e desacato no Auri Moura Costa, Andrea Maciel, 33, é uma das que se encontram nesta circunstância.
Mãe de seis filhos, dentre eles uma bebê de 1 ano e 6 meses com hidrocefalia, Andrea lembra que as notícias sobre a filha doente são sempre ruins. A detenta se mostra angustiada e diz ter a sensação que a qualquer momento pode receber o pior dos comunicados sem ter tido a oportunidade de cuidar da sua filha doente.
"Quando fui para a Delegacia pedi para minha irmã ficar cuidando dela e ela disse que não podia. Minha filha está com uma colega minha, que trata ela bem e faz de tudo, mas nada como a mãe. Ela já passou por algumas cirurgias. Aqui eu tive a minha sexta filha. O dia do parto da Ariadne foi horrível, me levaram nas últimas para o hospital", lembrou.
À frente do caso de Andrea, a defensora Gina Kerly Moura, responsável por realizar o atendimento no IPF e acompanhar às solicitações de prisão domiciliar, com base no Marco Legal da Primeira Infância, lembra que é preciso haver atendimento sensível no ambiente presidiário para as mulheres que não se reconhecem mais como mães.
"Desde o dia 5 de janeiro emitimos o pedido para prisão domiciliar de Andrea, contudo, o juiz responsável ainda não apreciou. A sociedade impõe que a mulher cuide dos filhos, muitas vezes, em uma relação uniparental, onde ela é responsável por tudo. No meio desse caminho há muitas crianças renegadas a uma subcategoria", contou a defensora pública.
Aos 22 anos, Maria Gabriela da Silva está em fase final de mais uma gestação. Para ela, o fato de ter sido presa por tráfico em companhia do esposo, descobrir dentro da cadeia que estava grávida e não saber se mudará de regime diferencia a vivência atual das prisões anteriores.
"Descobri logo que entrei aqui que ia ter meu terceiro filho. É tudo diferente. Preciso de cesárea porque não tenho passagem e não tem nada marcado. Quero saber como meus filhos estão lá fora e raramente o serviço social traz alguma notícia. Já tive meu pedido de prisão em aberto negado e ainda nem fui julgada".
Legalidade
O trâmite para o pedido de cumprimento de pena em prisão domiciliar é regulamentado por documentos comprobatórios que identifiquem a real necessidade. A juíza Jacinta Inamar Franco Mota Queiroz, coordenadora das Varas Criminais de Fortaleza, lembra que a concessão da medida se torna inviável quando não há comprovação dos requisitos, assim como em casos de prática de crime grave.
Para o procurador-chefe da Procuradoria da República no Ceará (PR/CE), Samuel Miranda Arruda, as políticas públicas para presidiários permanecem com aplicação dificultada devido ao estigma que é 'ser um preso'. Os benefícios são vistos com ressalvas. "É um contexto de caos no Sistema Penitenciário, são processos morosos, são varas superlotadas que não processam um pedido desse em tempo hábil. O ideal era que estivesse no presídio quem realmente precisasse estar lá".
Benefício
Acusada de participar da Chacina da Messejana, a sargento da PM Maria Bárbara Moreira foi autorizada a cumprir prisão domiciliar por ter uma filha de oito anos portadora de cardiopatia. O destino da policial mudou quando o Ministério Público do Ceará (MPCE) emitiu parecer favorável e ressaltou os bons antecedentes da ré primária.
Bárbara utiliza tornozeleira eletrônica e só pode sair de casa para consultas e emergências relacionadas à filha, e mediante comprovação de atestado médico. O caso da militar é tido como paradigma no Estado e é utilizado como exemplo nos pedidos que partem da Defensoria.
"Estamos constituindo a política de divulgar e que elas compartilhem a informação entre si. Temos desafios pela frente. O maior é que reconheçam que o direito também é da criança, esteja ela dentro ou fora do ventre. Existe uma ideia generalizada que todo mundo é um ser perigoso e isso privilegia vigiar a mãe", acrescentou.
Sobre a segurança dos civis com a soltura, a defensora pública reitera que mesmo com a liberação, as mães precisam permanecer recolhidas em domicílio, "continuam não podendo fazer o que quiser" e, em muitos casos, são submetidas a rondas e renovação de laudos médicos.
Fique por dentro
ONU traz diretriz de tratamento em documento
Em 2010 foram aprovadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) as Regras de Bangkok. O documento apresenta diretrizes acerca da detenção de mulheres. Só em julho de 2016, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a versão oficial em português do marco normativo.
Ao todo, 70 regras consideram as necessidades específicas das mulheres, reconhecendo que é necessário um tratamento igual, mas diferenciado, que contemple a realidade de uma mulher-mãe em situação de prisão, incluindo questões relacionadas ao estado de saúde mental.
Dentre as razões para as Regras de Bangkok se ressalta o 'desamparo' das crianças quando as mães estão presas, o cumprimento de pena longe das famílias e a impossibilidade da provisão que a mulher possa definir com quem deixar os filhos enquanto permanece em cárcere.

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