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segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Vivências pelo asfalto

Percorrer cidades sobre uma bicicleta e construir um diário imagético da estrada. Em poucas palavras, assim poderia ser descrita a empreitada protagonizada pelo artista plástico cearense Diego de Santos. Porém, em imagens, a profundidade do trabalho exige entrega. É necessário o aguçado sentido pelo desbravamento.
O projeto "À Margem Toda Vida" desenrola-se através de residência artística desenvolvida na cidade de Teresina (PI), lugar onde fixou morada por três meses. 


No mapa idealizado pelo realizador, constam todos os aspectos físicos e visuais do trajeto entre a capital piauiense e o município de Parnaíba, distância equivalente a 336 km. Todo o caminho foi completado em sete dias.
O projeto foi contemplado pelo Prêmio de Criação em Artes Visuais de Teresina. O artista leva consigo apenas a inseparável bicicleta e alguns utensílios. Seguindo por outras localidades, com o intuito de investigar os vários elementos visuais e afetivos presentes nas estradas, de Santos depara-se com o cotidiano transitório destes pontos. Pedalando sempre à margem, o artista coleta, cataloga e registra as experiências vividas em seu deslocamento solitário.
"Durante todo o trajeto, alguns elementos muito recorrentes me sobressaltavam o tempo todo, como as cruzes na beira da estrada e muitos animais mortos, a exemplo de bois, cachorros, jumentos, urubus, passarinhos e, principalmente, borboletas", descreve o cearense.
Toda essa demanda percebida pelo ciclista converte-se em observações atentas. A fragilidade do veículo escolhido (a bicicleta) muitas vezes disputa um espaço cruel com caminhões e carros. Nesse cenário hostil, testemunhado pelo forte sol ao alto, tornam-se próximas temas como morte e transitoriedades.
"Fui fazendo essa analogia entre esses animais interrompidos em seus voos e eu, em fluxo. Como estava sendo tomado por essa reflexão durante toda a viagem, comecei a catar algumas borboletas que eram atropeladas e caíam mortas. Voltei pra casa com um pote cheio delas e li sobre como conservá-las", adianta.
Destino
A conversa com Diego dos Santos deu-se por e-mail, dada sua atual dificuldade de acesso a meios virtuais, em diferentes localidades. Nesse momento, o criador já retornou a Teresina. A volta teve que ser imediata, fez-se necessária para produzir a exposição. Funcionando como um projeto dentro de um projeto, o percurso está sendo registrado através das redes sociais Facebook e Instagram, sob o título "Coração de Duas Rodas".
Para além do campo da rede mundial, interessa, é claro, a fundamental coexistência com a catalogação da experiência. Fotografias, vídeos, desenhos e textos em um caderno estão nas opções do artista. "Tudo isso vai ser apresentado em uma exposição aqui em Teresina agora em setembro. Mas pretendo continuar as viagens porque penso em um futuro documentário e um livro também", argumenta.
Toda essa empreitada foi germinada através de uma recente experiência enfrentado por de Santos. Entre fevereiro e março deste ano, ele pedalou o caminho entre Fortaleza Juazeiro do Norte. Cruzando o sertão sobre as rodas de uma bicicleta, foi inevitável se cercar dos detalhes e das riquezas que eclodem, a todo instante, desses espaços.
Os questionamentos que levaram o artista a se deslocar de uma cidade a outra também estão presentes em outros projetos já realizados como o "Lar É Onde Ele Está" (2014,2015), onde investiga os percursos, a solidão, a definição de lar daqueles que estão em constante trânsito, e "Poema 193" (2016), onde o conceito de casa se faz presente, desta vez com o uso da simbologia da concha.
Formado em Artes Plásticas pelo Instituto Federal do Ceará (IFCE), de Santos expõe desde 2005. Vive e trabalha em Caucaia e Fortaleza, e em 2014 ganhou o Prêmio Investidor Profissional de Arte (Pipa), o mais relevante prêmio brasileiro de artes visuais, na categoria Online Popular. Foi agraciado pelo Salão de Artes de Mato Grosso do Sul (2013), além de ter sido premiado no 8º Salão de Arte Sesc Amapá, em 2010.
O que pode transparecer uma jornada solitária denuncia um encontro com um pedaço muitas vezes desconhecido do Nordeste. Assim, engana a ideia de isolamento. Durante a viagem é precioso o apoio no sentido de conseguir hospedagem nas cidades onde realiza paradas, obter informações e até manutenção da bicicleta.
"Estar sozinho é bom porque posso tomar as decisões que cabem somente a mim, posso parar onde quiser, observar a imensidão da estrada sem que alguém me questione sobre isso naquele momento. É um momento de conversa com você mesmo, com a paisagem e com todas as possibilidades desse atravessamento", finaliza o viajante.

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