Seja bem vindo...

Páginas

quinta-feira, 2 de junho de 2016

A difícil atuação dos mestres

A tarefa de transmitir aos outros o que se sabe é incorporada sem qualquer escolha prévia. Nas comunidades tradicionais do Ceará, este mais parece um caminho natural. Quem aprende tradição e cultura popular com os pais e avós assume - quase involuntariamente - o dever de transmitir a narrativa da família aos que virão. Por isso, é difícil mensurar ao certo a quantidade de mestres responsáveis por preservar o patrimônio imaterial, a cultura e a identidade do Ceará.

Eles estão nas mais diferentes cidades, imersos na produção cultural e no imaginário povoado por mitos, lendas, santos, danças, rituais e até mesmo um terreno fértil para a produção musical. Nos últimos anos, parte deles têm recebido do Estado o título de Mestre da Cultura, uma forma de reconhecimento e também de preservação do patrimônio cearense.
Hoje, são 60 mestres envolvidos com as mais diversas linguagens artísticas reconhecidos por meio do programa, que oferece um subsídio mensal provisório ou vitalício no valor de um salário mínimo como forma de preservação das tradições e do repasse dos saberes. Embora esse reconhecimento tenha impactos importantes nas comunidades, o programa revela falhas em relação à fruição, ao acompanhamento, ao intercâmbio cultural e à transmissão de saberes pelos mestres.
Isso porque, por enquanto, as ações do Estado estão limitadas ao subsídio, e os mestres da cultura não encontram condições para levar esse conhecimento além da comunidade em que vivem. Alguns afirmam que, após serem contemplados como mestres da cultura, esperaram algum contato da Secretaria da Cultura do Estado para acompanhar o trabalho ou mesmo incentivar esse repasse, mas nunca houve diálogo.
Oficinas
"Cadê o repasse de saberes? Qual é a minha função?", questiona o mestre da cultura Stênio Diniz, de Juazeiro do Norte. Ele conta que é convidado de forma esporádica para dar palestras e oficinas de xilogravura, mas gostaria de participar de ações continuadas para repassar o conhecimento que tem. "A dificuldade para repassar o conhecimento é a grande falha do programa", avalia.
Stênio diz que apenas o subsídio não basta aos mestres, defendendo planos de fomento e iniciativas que promovam a transmissão das culturas. "Vamos botar os mestres pra trabalhar, pra repassar esses saberes. A gente não quer só uma 'bolsa família'. A valorização da nossa tradição também passa pelo trabalho", emenda.
O secretário da Cultura do Ceará, Fabiano Piúba, reconhece as reivindicações e sinaliza ações que visam suprir as demandas. Ele lembra que o Plano Estadual de Cultura prevê a ampliação no número de mestres de 60 para 80 até 2018, além de ações que aproximem os mestres das escolas, sejam elas de educação formal (incluindo escolas em tempo integral e profissionalizantes) ou informal.
Fabiano ressalta que a aprovação de uma resolução na Universidade Estadual do Ceará (Uece) para conceder o título de notório saber será importante para esse repasse pelos mestres. "Isso tem um sentido prático. O mestre vai poder dar uma palestra ou uma aula espetáculo e ser remunerado como doutor da universidade", comemora. Ele espera que esse título seja concedido em outubro, durante encontro dos mestres, em Limoeiro.
A pesquisadora Olga Paiva pondera que é preciso garantir o repasse de saberes nas próprias comunidades, tendo em vista que a cultura dos mestres tem relação direta com o território. "As casas e ateliês dos mestres são espaços simbólicos dessa transmissão. Tenho preocupação com a perda, caso eles sejam apenas retirados do contexto nesta proposta de levá-los às escolas".

Nenhum comentário:

Postar um comentário