Assistir à televisão, estudar
matemática e observar campanhas eleitorais são atividades de grande interesse
para o estudante Daniel Andrade Júnior, diagnosticado com autismo aos 14 anos.
Ele, que desde os 17 anos vota, hoje, com 22, deseja continuar exercendo este
direito. Mas, até a aprovação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, - Lei
13.146/2015 -, neste ano, esta possibilidade era restrita, pois o Código Civil
considerava os deficientes intelectuais como incapazes para o exercício do
voto.
A norma foi alterada e, a partir de 2016, o voto é assegurado a esta
parcela da população.
"Eu
fui atrás de tirar o título dele porque ele gosta. Ele se interessa e eu vejo
que faz bem. Mas tive que comprovar no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) que
ele tinha condição de votar", explica a dona de casa Maria das Graças, mãe
de Daniel. Em sua residência, afirma ela, em linhas gerais, o filho é o único
da família que acompanha e gosta das ações do período eleitoral.
Daniel
apresenta características do autismo desde a infância e é acompanhado a partir
da adolescência por terapeutas ocupacionais. O jovem guarda na memória o nome
dos candidatos já escolhidos por ele. De vereadores a presidente, o estudante
não esquece das opções já feitas.
Estatuto
Sancionado
pela presidente Dilma Rousseff, em julho, e publicada no Diário Oficial da
União, no dia 7 de julho de 2015,o Estatuto entrará em vigor no próximo dia 7
de janeiro. Na prática, a norma alterou artigos do Código Civil que versavam
sobre incapacidade absoluta. Com a mudança, todas as pessoas com deficiência
intelectual passam a ser, em regra, consideradas plenamente capazes para o
Direito Civil.
A
restrição ao voto, conforme explica o advogado e integrante da Comissão dos
Direitos das Pessoas com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil secção
Ceará (OAB/CE), Emerson Damasceno, "permanece para qualquer pessoa
interditada, independentemente de ser uma pessoa com deficiência ou não".
Pessoas interditadas são
aquelas que, por medida judicial, são declaradas como incapazes de gerir seus
negócios e atos decorrentes da vida civil. Neste caso, é nomeado um curador
para representar a pessoa interditada.
Para o
advogado, a mudança no Código Civil que alterou a caracterização das pessoas
com deficiência intelectual visa "a inclusão social plena, em prol da
dignidade". Emerson acrescenta ainda que o Estatuto "contempla muito
do que se busca após o Brasil tornar-se signatário da Convenção da Organização
das Nações Unidas (ONU) das pessoas com deficiência, em 2007, que tem hoje
status de Emenda Constitucional no ordenamento jurídico brasileiro".
Outros
mecanismos, como a proibição para que instituições de ensino cobrem a mais das
pessoas com deficiência e a reserva de 10% de vagas em instituições de ensino
superior ou técnico para esta parcela da população, são apontadas pelo advogado
como alterações trazidas pelo Estatuto que merecem destaque.
Avanços
O Ceará
abriga 125.353 pessoas com deficiência intelectual, segundo dados do Censo de
2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em números
absolutos, no Nordeste, é o terceiro estado que mais tem habitantes com esse
tipo de deficiência. Apenas Bahia e Pernambuco superam o Estado em relação a
este contingente populacional, com 212.049 e 139.016, respectivamente. No
Brasil, a estimativa é que há um total de 2.617.025 de pessoas com deficiência intelectual.
A
alteração do Código, conforme avaliação do presidente da Associação Brasileira
para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo (Abraça), Alexandre Mapurunga,
"tem uma repercussão enorme", já que a legislação como era
anteriormente "permitia a retirada de direitos civis de deficientes como
casar, assinar contrato e votar".
Alexandre
esclarece que o Estatuto não está completamente alinhado à Convenção da ONU,
mas "instala um novo mecanismo que é entendido como um avanço". Ele
explica que a nova norma estabelece a decisão apoiada - ação em que o
deficiente intelectual elege, perante o juiz, a pessoa que será considerada seu
apoiador para realizar determinadas funções. A decisão, passará por revisões
periódicas. O representante da Abraço também ressalta que ainda há dúvidas de
como os tribunais vão se adaptar a esse novo processo.
O
presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ceará
(Cedef), Jacinto Araújo, reitera a ideia de inclusão trazida pela Estatuto,
pois defende que "as pessoas com deficiência estavam à margem da lei, já
que não podiam expressar a vontade de representação. A restrição ao voto ter
perdurado durante tantos anos, na análise de Jacinto, é justificada pela
concepção preconceituosa que de que "deficientes intelectuais não sabem
definir o que é bom ou ruim".
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