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segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Conspiração de vice não é inédita

Ao acusar a presidente da República Dilma Rousseff de lhe reservar cargo "decorativo", o vice-presidente Michel Temer expõe desconforto com o suposto desprezo da chefe do Executivo Federal. O atual contexto, de tão intenso e movimentado, parece inédito na política, mas um passeio pelo século XX mostra que o protagonismo estratégico do vice, diante da fragilidade do presidente, já marcou outros momentos da história do País.

Em carta pessoal endereçada a Dilma Rousseff, o vice Michel Temer, presidente nacional do PMDB, reclama da posição secundária ocupada por ele no governo. Ele enumera queixas que vão da falta de atenção de que goza o PMDB no Governo Federal a relatos sobre incômodos pontuais, como o fato de Dilma não ter convidado o vice para encontro com o vice-presidente dos Estados Unidos.
"Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A Senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas", citou Temer.
Em diálogo com partidos e lideranças de oposição, Michel Temer demonstra vislumbrar, no desgaste da imagem de Dilma, a possibilidade de ocupar a cadeira do Palácio do Planalto. Para o cientista político André Pereira, professor da Universidade Federal do Espírito Santo, "a queixa oficial que ele faz é mentira". O docente argumenta que declarar papel decorativo na gestão federal é uma tentativa de se eximir de erros e denúncias contra o Governo Federal.
Impeachment
O professor de Ciência Política remete ao governo do ex-presidente Fernando Collor, alvo de impeachment, para fazer o comparativo com o atual cenário. À época o vice era Itamar Franco, que assumiria a Presidência com a saída de Collor.
"Na época do impeachment do Collor, quando o processo começou, Itamar começou efetivamente a trabalhar nesse sentido (de se projetar como alternativa). Em 1992, até surgiu um pequeno escândalo, o processo do Collor já tinha se iniciado, o Itamar veio a público denunciar que seu quarto de hotel no Rio e a casa dele em Brasília tinham sido grampeados", narra. "Ele (Temer) está tentando se afastar de maneira infeliz. Quando o Itamar fez a denúncia das escutas, foi mais inteligente para marcar uma distância. O que o Temer está fazendo é desastroso".
O presidente da Telerj (estatal de telecomunicações do Rio de Janeiro), quando das denúncias de Itamar de escutas no Rio, era o atual deputado Eduardo Cunha (PMDB), dirigente hoje da Câmara Federal.
André Pereira esclarece que a figura do vice é costurada para legitimar uma aliança. Ele diferencia, por exemplo, o papel de Michel Temer, que cai no Governo do PT como voz partidária ao representar o PMDB, da função exercida por José Alencar, vice de Lula, que representava o setor empresarial e de diálogo com o mercado. O cientista político argumenta que o espaço ocupado por Michel Temer não foi subestimado pelo Planalto, uma vez que simbolizava na gestão o elo com a sigla mais poderosa do Congresso: o PMDB.
"O Temer não foi decorativo e entrou na chapa como liderança do PMDB, o cargo em si não tem poder, mas a função fundamental era comandar o PMDB, interferir quando ele ameaçava alguma coisa", explica André Pereira. "O José Alencar entrou para relativizar a chapa do Lula com o empresariado, não teve função como a do Temer e até deu um pouco de trabalho ao Lula, porque fazia críticas ao Governo sobre desenvolvimento econômico", completa.
Desavenças
As desavenças entre o vice e o presidente não são apenas intrigas da história recente do Brasil. Ainda no governo de Getúlio Vargas, Café Filho, o vice-presidente, colaborou com a conspiração que culminaria do suicídio de Getúlio. O Governo passava por suspeita de envolvimento no assassinato do major da aeronáutica Rubens Vaz, em ataque direcionado a Carlos Lacerda, opositor ferrenho de Vargas.
"O então presidente passou a ser investigado pelo assassinato de Rubens Vaz e Café Filho viu a possibilidade de chegar ao poder. Ninguém esperava o Getúlio se matar, ele (Café) assumiu o poder e numa direção favorável aos grupos de direita", relata André Pereira.
O cientista político Maurício Moya, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pondera que sabotagens como a de Michel Temer ao Governo Dilma são fenômenos raros, mas, sobre os fatos recentes do País, diz que não foram surpreendentes "na medida em que ele (Temer) e o PMDB já manifestaram insatisfação outras vezes".
Moya acredita que, após as últimas eleições, Temer começou a cogitar eventual chegada ao Planalto. "Acho que no último ano do primeiro mandato ele já estava vislumbrando a possibilidade de romper com o governo. Ele não podia ter feito de maneira mais sorrateira e sutil, porque não fala diretamente que rompeu, mas critica a presidente, vaza carta, está fazendo jogo de desgaste do governo. Agora ele é o maior adversário da Dilma, é o maior perigo".
O cientista político relata que nos Estados Unidos o vice-presidente da República não tem voto direto da população na chapa presidencial, sendo escolhido diretamente pelo candidato a presidente. "O vice-presidente nos Estados Unidos também se transforma em presidente do Senado", complementa.
Maurício Moya lembra que o vice de Fernando Henrique Cardoso, Marco Maciel, representava a aliança do tucano com o PFL e tinha papel similar ao PMDB no Governo do PT. O diferencial é que pefelistas deram muito menos trabalho à gestão FHC do que o PMDB dá aos petistas.

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