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domingo, 29 de junho de 2014

Músicos questionam legitimidade da OMB

Segundo a lei que criou a Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), aqueles que não são registrados na autarquia estão atuando de maneira "ilegal". As penas podem ser de advertência, censura, multa, suspensão do exercício profissional, provisória ou mesmo permanentemente. A OMB regula, com amplos poderes, a profissão no País. Amparada por lei de 1960, sua legitimidade é questionada por profissionais que falam em "inconstitucionalidade", confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2011. Com papel preponderantemente fiscalizador, a OMB-CE já protagonizou episódios em que barrou a apresentação ou recebimento de cachês de músicos locais.

Jolson Ximenes, músico atuante na cena musical fortalezense e advogado, teve embates com a OMB-CE. Atuando então com a banda Alegoria da Caverna, o músico tinha um show agendado no palco Nativo, da edição de 2003 do festival Ceará Music, um dos maiores da América Latina. Como a banda não possuía personalidade jurídica e nenhum dos integrantes era registrado na autarquia reguladora da profissão, o grupo foi atuado pela OMB, que exigiu a regularização de toda a banda. A Alegoria apelou e entrou com mandado de segurança, garantindo a apresentação. Tony Maranhão, presidente da seção cearense da OMB, afirma que o intuito não era impedir a apresentação da banda. "Eu tinha conversado com os organizadores do festival e disse que não tinha nenhum problema em eles se apresentarem", diz o presidente da OMB. Apesar do acordo informal, começava uma batalha jurídica que duraria oito anos.
Na edição de 2005, a Alegoria Caverna realizaria nova apresentação no Ceará Music, mas dessa vez os músicos foram impedidos, momentos antes de subirem ao palco, de se apresentarem no festival. Representantes da OMB-CE apresentaram parecer favorável à entidade emitida pela 5ª Região do Tribunal Federal, em Recife. "Foi o maior constrangimento que senti na minha vida", relembra Jolson Ximenes. A apresentação não aconteceu e o grupo apelou da decisão tomada em Recife, que só foi derrubada em 2011, quando o STF decidiu que a profissão de músico estava amparada pela Constituição. Durante seis anos, a banda atuou nos palcos na ilegalidade.
Um dos casos mais recentes de disputa entre músicos contrários à obrigatoriedade do registro e a OMB, foi favorável à Sabbathage, banda cover da britânica Black Sabbath. Impedidos de subirem ao palco, em 2012, os músicos impetraram um mandado de segurança, com o objetivo de que a OMB-CE fosse impedida de cobrar da banda a anuidade e a carteira de identidade profissional de músicos aos seus integrantes.
"Não há reparos à sentença, que entendeu haver incompatibilidade com os preceitos constitucionais de liberdade de expressão artística e do livre exercício profissional a exigibilidade de registro dos impetrantes na Ordem dos Músicos do Brasil", considerou o relator do processo, o desembargador federal Paulo Gadelha.
Sentindo-se "constrangidos e ameaçados" por fiscais da OMB, o guitarrista Felipe Albuquerque, o baixista Reginaldo Freitas, o baterista Dyego Teles e o vocalista Marnúzio Lopes ajuizaram um mandado de segurança contra Tony Maranhão. Segundo os músicos que formam a banda, eles tiveram que doar o cachê para uma instituição filantrópica, em virtude de não poderem recebê-lo por não apresentarem a carteira de músico nem a anuidade paga.
O Juíz da 7ª Vara (CE) concedeu, inicialmente, a liminar proibindo a cobrança por parte da OMB. No mérito, concedeu a segurança para que os músicos não fossem mais "importunados" pelo órgão de classe. A OMB recorreu, alegando que para se exercer uma profissão regulamentada, se fazia necessário a capacitação legal.
Vício
Além dos músicos citados até aqui, os exemplos de profissionais que se sentiram constrangidos no exercício da profissão amontoa-se no cenário cearense. "É um vício de mais de 40 anos de fiscalização e amedrontamento com as bandas e as casas de shows. Infelizmente, ou você paga a carteirinha ou entra na Justiça, com quase 100% de chance de vencer, para ser desobrigado do registro", lamenta o músico e advogado Jolson Ximenes.
Para Maria do Socorro Torquato, presidente da Comissão de Direito Cultural da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a obrigatoriedade de registro de músico para exercer a profissão é "absurda". "É injusto que uma pessoa seja impedida de se manifestar artisticamente por uma entidade que existe para ajudar os músicos", lamenta.
Exame
Músicos e advogados ouvidos pela reportagem também questionaram o exame da Ordem, necessário para o músico possuir registro em uma das categorias estipuladas pela autarquia. A categoria "prático" - músico considerado "profissional", mas sem conhecimento teórico - é a mais procurada por autodidatas e foi substituída na autarquia pelo termo "Categoria A". Na lei de criação, as provas práticas precisariam de, pelo menos, três especialistas para avaliar a performance do candidato. Entretanto, segundo relatos de profissionais que prestaram o exame, não é o que acontece. Músicos que preferiram não se identificar afirmam que apenas uma pessoa acompanha os exames da autarquia e que a avaliação é subjetiva.
"É um desrespeito. Há relatos de colegas cantores que precisaram cantar segurando um objeto simulando um microfone ou de bateristas que batucaram em cima da mesa para o avaliador. Como você vai determinar a qualidade de alguém com um teste desses?", critica Jolson. O argumento é reforçado pelo advogado Fábio Barros. "Não tem como você distinguir um bom músico de um mal músico em termos técnicos. Sabemos que a criação de um músico popular pode ser tão bonita quanto a produção de uma banda de metal, por exemplo. Se o Michel Teló não canta tão afinado quando a gente gostaria, não quer dizer que ele não seja músico", argumenta.
Sindicato
Fundado em 1942 e desativado desde 2008, o Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado do Ceará está em processo de reativação por parte de músicos cearenses. O saxofonista e advogado Bob Mesquita encabeça essa iniciativa por acreditar que o sindicato "representa melhor a categoria" e que a OMB "não tem mais funcionalidade prática". "Com a decisão de 2011 do STF, a OMB perdeu oficialmente sua legitimidade. Apenas a Lei de 1960 é que ainda mantém a instituição funcionando", argumenta Bob Mesquita.
Em processo de recuperação do CNPJ do sindicato, Bob diz que aguarda apenas a autorização da Receita Federal para retomar as atividades da entidade representativa. Uma das primeiras ações, segundo o músico e advogado, é entrar em contato com os principais empregadores de músicos - casas de shows, centros culturais, bares, etc - e regularizar a situação dos profissionais que atuam nos locais. "Se o músico tem algum vínculo empregatício, queremos que seja formalizado através de carteira assinada. Se não, o estabelecimento deve pagar os valores estipulados por tabela", diz. A tabela está em processo de formação e deverá ser aprovada pelos músicos, em assembleia, passando a valer já em 2015.
O outro passo, segundo Bob, é a abertura de mesas de negociação para a realização de acordos coletivos em benefício dos músicos, com o estabelecimento de piso e teto da profissão. "Se os valores não forem pagos pelos empregadores, nós temos a autoridade de pedir a execução do pagamento juridicamente".
Leonardo Bezerra
Repórter

http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/caderno-3/musicos-questionam-legitimidade-da-omb-1.1047076

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