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domingo, 29 de abril de 2012

Sem lavoura e pasto, sertanejo ainda mostra resistência


Alguns produtores tentam salvar o gado, outros o vendem a preço de banana para o Piauí e Maranhão
Os animais sofrem demasiadamente com a falta de água e pasto. Em alguns locais, como em Independência, alguns já morreram. Para evitar a perda total, o jeito é se desfazer do rebanho por preços irrisórios. Quem não se dá por vencido, radicaliza: transforma o xique-xique em alimento.
Na Fazenda Recife, em Independência, o quadro é desolador. O gado definha. O proprietário, João Colares, passa as noites ao relento imaginando uma forma de salvar seu rebanho e olhando para o céu à procura das nuvens, que raramente aparecem.
"Dá pena ver o seu João. Foi obrigado a vender 105 cabeças de gado, metade das que possuía, para receber o dinheiro apenas em dezembro", conta o trabalhador da fazenda, Antônio Alves Portela.
Numa parte da terra, onde deveria existir pasto, se encontra uma vaca que morreu na última segunda-feira. Pelo menos três outros animais só conseguem se levantar se for com a ajuda das pessoas. "Tenho mais pena desse bezerrinho que nasceu há duas semanas. A mãe está muito fraca. Já tomou soro e injeção de todo tipo mas não reage. Sem se levantar, fica impossível dar de mamar. Por enquanto, outra vaca está servindo a ele. O jeito é começar a dar ração logo nos primeiros meses de vida, o que deveria ocorrer apenas oito meses depois".
Os bichos que se encontram em situação mais precária ficam presos. "É perigoso eles se soltarem, pois vão em busca de pasto e, se caírem longe daqui, podem morrer de fome", relata Antônio Alves Portela.
Devastação
Sem pasto, os proprietários de animais não pensam duas vezes. Para salvar os bichos, vale qualquer coisa. No assentamento Juazeiro, o chão seco e rachado, sem, portanto, qualquer tipo de vegetação, não deixa outra opção ao agricultor José Fausto Amaro. Todos os dias, sua foice corta dezenas de xiquexiques.
O fogo, usado para retirada dos espinhos, torna o cactáceo disputado objeto de consumo pelos animais. "Se a gente não fizer isso, os bichos morrem. Faz muito tempo que não encontrava uma coisa dessas por aqui. É uma secura sem fim. Espero que a chuva venha logo para recuperar o pasto e também para evitar que os animais sejam maltratados por causa da sede", suplica, aos céus, José Fausto.
Crateús

Às margens da Avenida Sargento Hermínio, uma das principais de Crateús, os caminhões de transporte de boi estacionam. Ali, pequenos produtores buscam salvar de alguma forma seus animais. José Renan Pedrosa vendeu 27 cabeças de gado que custavam, individualmente, R$ 2.500,00 por R$ 1.000,00. "Não dava mais para segurar os animais. O pasto desapareceu completamente. Agora, é esperar que a situação melhore para comprar depois o que der".
O destino do gado é o Maranhão ou o Piauí, onde os efeitos da falta de chuva não são tão severos. O mesmo caminhão que leva o boi magro, comercialmente desvalorizado, traz de lá o boi gordo para ser abatido e vendido aqui no Ceará.
O agricultor e comerciante Giovane Lacerda, que comercializa animais, garante que já levou mais de 400 cabeças de gado para fora do Estado. Ele também se queixa da situação.
"Algumas pessoas tiveram um pouco mais de sorte. Aqui em Crateús, as chuvas são bastante irregulares. Em certas propriedades, elas caem com uma frequência até razoável. Em outras, praticamente na vizinhança, não cai um pingo sequer. É uma coisa pouco comum mas que está trazendo muitos prejuízos", afirma Giovane.
É grande a oferta de gado dentro do Estado. A tendência é de que os preços caiam mais ainda. Segundo seu Geovani, alguns compradores de Campo Maior, no Piauí, um dos destinos dos animais, pediu para que ele desse uma parada no envio do rebanho. "Não sei como vai ficar a situação de muitos pequenos produtores. Hoje, há dificuldade por causa da falta de ração e de água. Daqui a pouco, até para se desfazer dos animais vai ser difícil", revela Giovane.
Pequeno produtor faz a terceira tentativa com plantio de milho
A perda parcial das safras de milho e feijão já é fato consumado para a grande parte dos agricultores cearenses, mesmo que haja uma improvável reversão no quadro de chuvas. Enquanto muitos se preocupam agora com o recebimento do Seguro Safra ou com outras alternativas capazes de fazer face ao problema, alguns ainda mantém a esperança de obter uma boa safra.
Exemplo disso é o médio produtor Júlio Alves de Lima, de 77 anos. Na zona rural de Ibaretama, ao lado dos três filhos e de dois empregados, ele tenta, pela terceira vez neste ano, a produção de milho. Ele, que é também aposentado, assegura que essa é a pior seca desde 1958.
"A daquela época e a de 1970 foram ruins. Mas, essa é a que mais me intriga, pois chove vez por outra, mas de nada serve. Mesmo assim, vou fazer essa última tentativa, já que, das duas primeiras, o milho não prosperou. Quero ver se salvo alguma coisa e também o sorgo, que será bastante útil para garantir a alimentação dos animais", frisa seu Júlio Alves. Na sua propriedade, de 120 hectares, tem 70 cabeças de gado e 40 ovelhas.
Outro veterano agricultor de Ibaretama que não perde a esperança é Valdemir José da Silva, 80 anos. Ele também compara o que ocorre hoje com o panorama vivido em 1958. "A seca daquela época castigou o sertão. Mas, pelo menos sobrou um feijãozinho. Essa agora é pior. Não restou nada".
Seu Valdemir, apesar de ver a lavoura de milho praticamente perdida, acorda todos os dias às 5 horas da manhã para pegar água na cisterna de uma vizinha. Em seguida, após tomar café, se dirige até a lavoura "para limpar a terra. Sei que é muito difícil, mas tenho esperança de que até o fim de maio ainda possa salvar alguma coisa".
Ilusão
Em Capistrano, a situação, segundo o prefeito Cláudio Saraiva, é de perda total. "A grande ilusão foi a chuvarada que caiu durante o Carnaval. Muitos agricultores se empolgaram e plantaram tudo o que era possível. O pior de tudo é que o mato que servia de pastagem para o animal foi arrancado para o plantio. O resultado é um desastre: 16 mil quilos de sementes perdidas, nem lavoura, nem pasto. Não consigo mais dormir em paz. O meu celular toca em média 200 vezes ao dia. As pessoas querem saber o que fazer. É muito difícil dar uma resposta convincente ".
A presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Capistrano, Maria da Luz de Matos, afirma que as cisternas estão quase secas e que é preciso reativar os carros-pipas. "A nossa sorte é que temos outras alternativas para enfrentar os problemas ocasionados pela falta de chuvas".
Quem teve um pouco mais de prudência foi o agricultor Newton Gomes, de 59 anos. "Apesar da chuva do Carnaval, estava com a orelha em pé. Desconfiei de que poderia acontecer algo assim. Só não pensava que fosse nessa intensidade. O certo é que plantei só na metade do terreno. Com isso, pelo menos o pasto para os animais está garantido por mais algum tempo".
Subsistência
Em Crateús, na localidade de Barreiros, o agricultor Raimundo Sebastião de Souza, 62 anos, plantou no seu único hectare de terra feijão e milho. As esperanças de que possa ganhar alguma coisa com o trabalho na lavoura já não existem.
"Venho todos os dias aqui catar um pouco de milho. Levo para casa para alimentar a família. Pelo menos para isso está servindo. Nunca vi uma chuva tão traiçoeira. Ela vem, traz esperança, e depois some. Quando a gente já nem espera, reaparece novamente em quantidade muito pequena, insuficiente para trazer alegria ao sertão. O jeito agora é a gente se virar como pode e esperar que em 2013 o inverno seja dos melhores".(FM)
Comércio local já sente os efeitos
Nas cidades, aparentemente, os efeitos da seca parecem imperceptíveis, já que as dificuldades com a lavoura ou criação de animais ocorrem quase todas na zona rural. No entanto, os reflexos indiretos já podem ser sentidos. Sem dinheiro, os agricultores começam a diminuir a frequência com que buscam o comércio.
"A nossa clientela é formada por 80% do pessoal que reside no interior, que não tem condição de comprar tanto. Sem produção na lavoura ou venda de animais, por exemplo, eles não têm como ganhar dinheiro e, consequentemente, gastar. A quebra dessa cadeia já se refletiu numa queda do comércio", avalia Josefa Saraiva, proprietária do Depósito Elizeu, no Centro de Quixeramobim.
Para ela, se não houver uma mudança, a tendência é haver uma retração maior ainda. "Nós aqui somos uma espécie de caixa de ressonância das pessoas que moram no sertão propriamente dito. Os relatos que ouvimos são muitas vezes desesperadores. Muita gente perdeu quase tudo na lavoura. Não sei como é que vai ficar a situação dessas pessoas daqui para a frente. Talvez seja minimizada com algumas ações do Governo".
Para o pecuarista Francisco Alves Fernandes, os problemas estão só começando. "A forragem já começa a faltar. O saco de resíduo passou de R$ 30,00 para R$ 50,00 e é difícil encontrar. A salvação é alugar um pasto fora do Ceará e mandar o gado passar uma temporada por lá. Os pequenos produtores que estão vendendo seus animais agora por preços ínfimos vão se ressentir muito depois".
O aposentado João Monteiro da Silva, 74 anos, que possui uma barraca ao lado do mercado de Quixeramobim, já enfrentou muitos períodos como esse. "A coisa está ruim mesmo. Mas, não adianta ficar parado reclamando da vida. Daqui a pouco, começa a chover e as coisas melhoram. Deus é pai e não vai deixar o sertanejo sofrer por muito tempo. O que está acontecendo é para pagar muita coisa ruim que estão fazendo por aí".
FERNANDO MAIA
REPÓRTER
Copilado do Diário do Nordeste

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